3.09.2005

Uma Bufa de Felicidade

Os passos tortos, mas leves, a varrer o parque...
Não flutuava pela incrível impossibilidade do feito.
E também por um certo cansaço que lhe tomava conta.
Calor...

Havia sido sádico, extremamente sádico. Interrompeu-lhe no meio do discurso inflamado, repleto de questionamentos e possíveis elucidações;
"_ Continue sonhando. Paramos por aqui. Nos vemos na próxima semana."

A tônita.

Procurando uma resolução mais instantânea para seus problemas deparou-se com uma gaiola feita de prata e ilusões. Gaiola "david-lynchiana".
E ele a saudou com um
"_ Não há saída fácil. Percorra o caminho difícil."

Bem, uma hora há de cessar.

Ou isso, ou alguém morre.
Mas importa?

Não, não importa... O que importa eram os passos vagarosos sobre folhas secas.
Folhas secas, calor infernal e ruído de patos e crianças.
Impossível diferenciar um do outro.

E levemente sorveu do chá e deu-lhe um beijo.
Não era masoquista mas pagava-lhe para ser sádico. De aduladores, o mundo está cheio.
Sadismo na veia. Cuspido na cara.
Era assim que gostava.

Agora com os passos já mais rápidos fôra ao encontro do refúgio.
"Debaixo de Vossas Asas" e por entre paredes repletas de livros, cheiro de mofo e pó, escadas que elevavam-na ao outro lado, dentro da sua própria viagem "Carrolliana".

Um presente. Procurava um presente.
Não um, mas O.
Algo que a trouxesse para si. Uma aproximação. Um atalho para o seu restrito mundo.
"Mas não há caminho fácil".
Não, deveras não há. Mas existem caminhos, interessantes...

Não se decidia por Hilda ou Clarice.
Pensou em Manuel Bandeira, mas os cem reais impressos na primeira página logo a levaram para outras estantes.
"_ Ela precisa se acostumar. É uma porta. Para dentro de mim. É o que quero lhe dar."

Hilda ou Clarice?
É mais Hilda. Mistura Hilda e Miller em um copo de drink e o despeja sobre a mesa de jantar.

Mas Hilda seria demais para um jantar de família. Seria a amante que salta de dentro do bolo de aniversário numa sala repleta de gente. O tipo de piada que só ela entenderia, mas não a outra.
A outra... Abafa o riso e se posiciona maravilhosamente de acordo com as regras de conveniência sociais, a etiqueta.
Hilda bufa para a etiqueta. Bufa não que Hilda só bufa de felicidade ou sadismo. Peida mesmo. Com todo o horror, fedor e alarde que um peido pode conter. Hilda é incontinente. E dê graças a isso.

Clarice, por outro lado, lhe penetra de assalto, naquele momento entre o relaxamento profundo e o engasgo.
Silenciosa. Quase sutil se não fosse tão humana. Clarice é it. Comeu placenta. É fluxo revigorante.

"_ Água Viva". Eu sou água viva. Mas água viva queima. E há de queimar até a insanidade profunda e a perdição da esperada abertura de portas. "
Água viva não.
Ficou entre o coração selvagem e os laços de família.
Mas por tudo o que implicava a situação, e de acordo com a opinião da maioria local, optou por "Laços de Família".
"_Mais curto. Aparentemente mais simples. E enfim... Abre margem a uma dedicatória bela, emocionante, brega e quase clichê. "

Dirigiu-se ao caixa. Os dois livros na mão.
Não sei se por maturidade ou mero efeito medicamentoso, está mais, ... Aberta.
Pode-se dizer que até simpática, mas apenas pelas manhãs.

Explicou então o motivo de sua escolha, qual levaria, qual não. E resumiu em exatamente um minuto e meio a história de sua vida familiar inconstante.
"Ela tem outras filhas?"
"Sim, sim. Uma perfeita, casada, perfeitamente dentro dos padrões, um orgulho."
"Pressuponho que essa não seja você."
"Não. Claro que não. Eu sou a água viva. E provoco-lhe surtos."

Sorrisos trocados, desconto dado.
"Volto aqui por Clarice e Hilda. Se bem que... Não encontrei Hilda, mas Hilda se faz de difícil de achar. Já sei como é..." - sorriu.
Pediu que esperasse um minuto. Foi mexer em prateleiras bolorentas, quase camufladas em meio a tanto pó e cheiro de coisa gasta.
E voltou. Com ele entre as mãos, um sorriso recíproco e um
"_Toma. É seu. Presente para você."
Ela, acostumada aos caminhos difíceis relutou em acreditar. A edição era rara. Das antigas. Não se vendem mais as antigas, só as novas, diminutas, da Editora Globo.

Trocaram olhares. Era a prova de fogo.
"_ Esse livro está aqui faz tempo. Não queria colocá-lo à venda pois é raro, não tem preço. Decidi que um dia seria dado a alguém. Esse alguém é você. "

Prova final. Cinco segundos para terminar. Na capa, a rainha da boceta pelada de quatro, apanhando de um pau gigantesco.
"_Vai ruborizar? Vai se envergonhar? Ou vai botar o pau na mesa?"
Era o teste. Queria meu pau sobre sua mesa, publicamente.

Abraçei-lhe e beijei-lhe euforicamente.

Sobre meu pau na mesa...
Fiz melhor: coloquei-o entre meus seios
E prontamente, gozei.

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"Ridendo castigat mores"

O caminho até pode ser difícil, mas há como rir dele, afinal.

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Hilda pode até se fazer de difícil. Mas nada disso. Ela só é seletiva.

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"E os poemas não podem ser economizados para formar uma poupança: eles têm que ser gastos."
- Octavio Paz -

Então, bufe seus poemas, e caso saia resquícios de fezes junto com eles, enfim... Tudo parte do processo e do duro e bufólico caminho...

Bufólicamente...

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P.S. Lendo "Bufólicas" me ocorreu uma ótima idéia de texto-homenagem acerca de uma plebéia que se julga rainha por ter a boceta folhada à ouro. Mas outro dia... Outro dia...

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"Bufa. ( Dev. de bufar ). S. f. Pleb. Ventosidade que se escapa pelo ânus sem ruído."


2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tipo, é Henry Miller escrevendo aqui? Escritos vertendo de todos os poros. Substância saindo de todos os orifícios do corpo, como quem toma Santo Daime.

Perfeito, perfeito demais. Beijos.

5:09 PM  
Blogger Leandra Lambert said...

Eu tenho que repetir o perfeito abaixo: Perfeito. "Fiquei besta", como diria a Hilda.

4:59 PM  

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