4.08.2005

O Fantástico - e absurdamente enigmático, complexo, por vezes enfadonho - porque já alerto: esse é um texto enfadonho - Mundo Mágico de Oz.


"_ Eu tenho essa capacidade absurda de esperar. O que é absurdamente inédito para alguém como eu. Porque não fui dotada de muita paciência.
Mas eu sei comer um prato frio. Sabendo. Sem ter sido treinada ou ensinada. Sequer sabia disso até bem pouco. Descobri quase... Agora. Há uns cinco minutos e três feridos atrás.


Eu guardo toda mágoa do mundo dentro de uma gaveta. Trancadinha. Por vezes até esquecida, nem eu me lembro de que ela está lá. Mas o problema é que a Roda da Fortuna dá suas voltas e piruetas... E por mais que demore, é inevitável: um dia você está aqui ( aponta para baixo ), no outro, lá em cima ( aponta ).

E aí... Ah... Aí jaz o problema verdadeiro. Porque eu aproveito a fortuna que me é dada.
Para o meu bem e para o mal de quem eu achar que mereça.

Não, eu não sou altruísta. Embora tenha chorado a morte do Papa. Menina católica que fui ( sou? ), senti-me sem uma figura paterna. Uma figura paterna que eu detestava e considerava um imbecil, mas enfim, estou em plena puberdade católica talvez, que figura paternal não me seria um completo imbecil? E ainda assim eu seria capaz de chorar sua morte. Porque estou muito sensível.

Mas sim, eu espero pelo ritmo da Roda da Fortuna. Eu como o prato frio e ainda assim, me delicio. E isso é pura ignorância porque trata-se apenas de energia ruim estocada para... Nada. Absolutamente nada.

Eu não sou altruísta, tampouco católica, mas eu sei, por uma filosofia/teologia muito própria minha, que essa minha gavetinha de mágoas prejudica somente a mim mesma. Porque é energia doente essa com a qual eu lido, ao mexer na gaveta. Energia passada. Morta.

Eu chuto cachorro morto. Mesmo dois anos e meio depois. E ele parecia tão morto na época, e mais vivo do que nunca no momento exato do chute.
"Ele tirava minhas calças com o Outro do outro lado da rua, trabalhando. E agora? Quer saber? Faz dois anos e meio e eu me importo. Faz dois anos e meio e eu quero magoá-lo da pior maneira possível. Cinqüenta mil vezes mais forte do que ele me magoou. " - calça precisamente disposta no chão do quarto. Toda uma gama de memórias doentias a serem abertas na minha cabeça.

Eu como lentamente o prato frio. E por exatas duas horas e quarenta e cinco minutos, me delicio.

Depois... Nada. Energia empregada em vão. Natimorta. "

"_ E o que você ganha com isso?"

"_ Eles. Magoados. Caídos. Feridos como fui ferida - mentira... Pior."

"_ E o que VOCÊ ganha com isso?"

"_ A ilusão... de ser Deus. Por duas horas e quarenta e cinco minutos. Porque é isso o que o ser humano procura. Essa é a ambição máxima, primordial e orgânica do ser humano: ser Deus - independente Dele existir ou não. É meta-teológico isso... Está acima de qualquer discussão sobre teologia. Está presente em todo e qualquer pequeno gesto de nossas vidas, inflamado e sufocado no nosso subconsciente arrebentado por medos. Toda aquela história de ser a imagem e semelhança de Deus não é à toa. Tem muito mais por trás disso do que as pessoas permitem enxergar. Essa é a máxima do ser humano. Essa vontade quase homicida, por vezes homicida, de ser Deus.

E eu sei que é babaquice! Não precisa me dizer. Eu tenho plena consciência de que é vontade vã. Vontade de brincar de Playmobil, de construir cidades, de fazer mandos e desmandos a nosso bel prazer, de acordo com a nosssa opinião e a força que sai do nosso umbigo. Energia em vão.

I L U S Ã O

Por algumas horas me sinto Deus e faço meu teatro tragi-cômico particular do que seria o Juízo Final, e julgo os que serão absolvidos e os que serão condenados. Sendo que os últimos recebem penas muito severas - justo de mim que nunca acreditei em um Deus tirano. Mas dê-me ilusoriamente a divindade nas mãos e você terá pleno contato com a tirania e o totalitarismo. Porque luto pela democracia, mas francamente, desaponto-me com ela.

Mas é necessário atentar para um detalhe gigantesco. Por mais ilusório que seja, vivemos em torno e em prol de ilusões. 90% do nosso tempo é tomado de ilusões sucessivas e em progressão geométrica. "Ilusão de que ele te ama." "Ilusão de que é para sempre." "Ilusão de que ela é sua amiga." "Ilusão de não estar sozinha." "Ilusão de que não é para sempre porque você morre de medo de que seja e ilusão de que ele não te ama, porque você não consegue acreditar que possa ser amada."

Ilusões. É disso que vive o ser humano. O que por mais imbecil que pareça ser, não deixa de ser utilitário. Porque somos sensíveis e queremos ser Deus. Mas não temos estrutura emocional ou psíquica para confrontar a realidade. Alguns, em processo infindável de cura, ainda conseguem ter um vislumbre disso e enxergam uma fresta de realidade por suas janelas.
Mas são poucos. Raros. E raros também os momentos.

Eu poderia entrar num blábláblá infindável agora sobre sonho e realidade, sobre universos paralelos e nossa total falta de estrutura para lidar com eles, etc. Mas não. Digo apenas isso: que o ser humano vive de ilusão. E eu não poderia estar mais incluída nessa do que já estou. Absorta.

Acreditamos sempre no que nos é mais conveniente no momento. Você pode dizer uma mesma coisa para pessoas totalmente distintas e elas terão reações absurdamente variadas e opostas ao que foi dito. Porque compreendemos sempre aquilo que vai mais de encontro à nossa estrutura interna, a qual é composta por todos os pequenos fragmentos de pretérito, de presente e de caráter que nos pertençam, e por isso, cada estrutura é única.
Exemplo: Eu posso dizer "sou impulsiva".
Alguém que queira gostar de mim ou acredite necessitar disso dirá: " Ela é genuína, orgânica, visceral, sincera!"
Alguém que não queira ou não possa gostar de mim dirá: " Ela é louca, desvairada, surtada. Faz as coisas asssim, sem o menor nexo, de acordo com a vontade momentânea dela."

Por isso que não me dou ao trabalho de me descrever para ninguém. Energia em vão.

Sendo assim, eu entendo a completa ignorância que é empregar tanta energia em algo imaginário, ilusório, não-palpável. Mas também compreendo que é isso o que fazemos a maior parte do tempo. Somos compostos disso. Matéria primordial e basilar do ser humano: ilusão.

"_ Resumindo... O que você ganha, no final das contas, é uma ilusão. Paramos por aqui hoje. Até semana que vem. "


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Seria possível continuar com
"_ Mas isso é basicamente 90% do que acreditamos ganhar em toda nossa vida."

Mas eu entendi... O caráter condenatório da sua frase estava presente para o meu próprio bem.
O problema é que...

"_ Você é sempre de extremos, não?"

Sim... O complicado é enxergar tudo isso e procurar um caminho mais neutro.

"_ Você é muito lúcida."

Sim... E ironicamente isso funciona muito em meu desfavor.



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E assim adentramos o Mundo Mágico de Oz...
Tornando os debates cada vez mais intensos e interessantes.


Oh! Eu adoro meu sádico! ( sorrisos )


4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Enfadonho, mulher ? Isso aqui está sensacional.

Aliás, resolvi te imitar e estou tentando brincar com a ficção. Te deixo o endereço: www.pouco.blogger.com.br

saudades !

3:09 PM  
Blogger The Collector said...

(aplausos)


...

enfim...
achei fantástico... entendi e concordei!!! :D
JURO...
não ha parte que eu não concorde...
e apesar de termos discutido algo assim há pouco tempo... a compleção do texto foi ótima...
mesmo sabendo que os argumentos todos não podiam estar aí...
as razões todas limitam o verdadeiro objetivo do texto

me vi VÁRIAS vezes no texto...
mas não em todas... afinal, busco estar acima do que é humano (apesar de ser só humano)

amei...
não é pra menos, né?

6:09 PM  
Blogger Leandra Lambert said...

Hm... às vezes precisamos de pratos frios, especialmente nesse calor. :-) Bonzinhos? Só os hipócritas e os covardes!

E eu, que digo o clichê "não se deve julgar as pessoas", também julgo. E já quis pratos frios bem sofisticados.
Mas às vezes preparar esses pratos dá tanto trabalho e há tanta coisa melhor a se fazer...
Gosto muito do que você escreve, queria conversar melhor contigo qualquer dia desses.

4:31 AM  
Anonymous Anônimo said...

Realmente, não tem nada de enfadonho, é um texto otimo. Mesmo eu já conhecendo o texto (aos pedacinhos, pelo menos), eu adorei.

Não existe nada real, como se convencionou chamar, tudo que você vê, escuta,... é apenas uma reação do cerebro (ou seja, uma interpretação particular) a um estimulo externo. As verdades muitas vezes são mais ilusorias do que se imagina, ou vice e versa.

Beijos...

7:28 PM  

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