4.14.2005

Superbrain - ou "Da Estranha Sensação de ser o Eric Stoltz como Rocky em "Marcas do Destino" ou "O Menino Elefante" - e o pobre ainda é filho da Cher!

"I'm superbrain.
That's how they made me."

"_ E nenhum deles notou qualquer indício disto quando era pequena?"

"_ Não... Eu era uma criança muito introspectiva. Quieta. Quase uma parede. Eu sentava no recreio e ficava a observar as outras crianças. Não queria brincar. Queria observar o mundo, questionar silenciosamente. Silenciosamente porque eu nunca encontrava companhia que se dispusesse a questionar o mundo comigo.

Eu tinha 4 anos. E era o porto-seguro dos meus pais. Não dava trabalho.
Não que eu não fizesse merda. Toda criança faz. Mas eu conseguia escondê-las muito bem. Mãos cerradas atrás do pequeno corpo e rosto angelical a meu favor. E meus cabelos eram loiros e cacheados, acredita?! Poderia ser mais perfeita?

Meus pais trabalhavam fora, um milhão e quinhentos mil afazeres. Minha irmã - mais velha- tomada da "Síndrome Daquela-Que-Deixou-de-Ser-o-Centro-de-Todas-Atenções-da-Casa" - passou a se esforçar em readqüirir o que havia perdido. Diante da total impossibilidade de livrar-se de mim, desfilava por aí com uma melancia gigantesca no pescoço ( minha avó usava muito essa frase. eu adorava...).
Repetia de ano, batia nas crianças menores, jogava areia nos olhos das freiras, cuspia nas pessoas. Um doce...


E todo fim de tarde, minha mãe, exausta, subia as ladeiras infinitas do Alto da Boa Vista porque minha irmã havia ficado presa de castigo. Mais uma reunião com as freiras, mais uma ameaça de que ela teria que ser transferida de turma, ou talvez, até mesmo expulsa. ( e "Deus me livre de tal tragédia!" para uma mulher aristocrática e esnobe como a minha mãe: ver um de seus pequenos fora de um dos melhores - e mais fascistas - colégios do Rio de Janeiro! ).
Uma conversa infindável para uma mulher jovem que perdera 7 filhos em abortos espontâneos. E havia lutado horrores para ter aquela menininha ali. Histérica.


E eu lá... Quietinha. Absorta nas minhas idéias. Com um sorriso plácido no rosto e um boletim repleto das melhores notas. ( todas azuis, da cor da parede do meu quarto.). Meu pai ainda notava algo de diferente, mas faltava-lhe tato e experiência humana para saber identificar precisamente do que se tratava. Ele balbuciava algo que nunca chegava a prontamente sair-lhe da boca. Eles olhavam para mim e agradeciam a Deus por poderem, enfim, dormir à noite. E descansar.

Inoportunadamente, nesse quesito, eles descansaram demais. Eu não lhes culpo exatamente. Sempre fui introspectiva. Não falava muito. Não expunha nada. Como dar-lhes algo do qual se questionar? Mas o algo era exatamente essa quietude extrema. Esse isolamento. E toda a precocidade que sucedeu-se a isso anos depois.
Mas o fato é... Não notaram. E o fato é que não tive o acompanhamento pedagógico que deveria ter tido. Não fui ensinada a lidar com isso, sequer sabia disso."


"_ Decerto que seu acompanhamento pedagógico foi falho nesse quesito. Assim como seus pais lhe negligenciaram, mas por pura humanidade. A questão é agora, já que o passado já se foi. "

"_ E... Agora?"

"_ Você tem duas opções. Fáticas. Isso pode ser usado ao seu favor e o resultado será um futuro brilhante; ou você pode não saber lidar com isso e o resultado será a mediocridade por pura falta de foco e orientação. Existem diversos caminhos passíveis de serem trilhados à sua frente - que é o que ocorre com crianças ( já adultas agora. ou quase. ) como você. A diferença no ensinamento que elas tiveram, e que lhe careceu, é que elas foram orientadas a lidar com isso, com essa pluralidade de possibilidades. E treinadas a exercitar o foco, que é muito difícil de se ter com uma gama tão variada de estradas a serem percorridas. Falta-lhe foco e abundam-lhe caminhos. Você perde-se. Trilha um pouco de cada um e o resultado disso será: você vai ser mediocramente encaminhada em diversas profissões diferentes. Mediocramente. Porque são muitos os caminhos e pouco o foco. Porque são muitos os caminhos e ainda mais diversas as questões. E você segue... Trilhando vários caminhos diferentes, sem ter tempo ou orientação para se aprofundar em qualquer um deles. Perde-se sempre.
O importante agora é o foco. Você não precisa necessariamente abandonar nenhum dos caminhos por completo, mas é necessário postergá-los, dentro de um planejamento mais preciso e maior. Senão você corre o risco de continuar andando e andando. Em círculos. Está em você a capacidade para o fracasso não-compreendido ou para o sucesso direcionado. Você escolhe."



Eu, que sempre fui orientada pela ausência de, vejo-me agora, desorientada pela abundância. De caminhos. Bem, isso é no mínimo coerente. E maldoso.
Falta-me foco e orientação para lidar com a abundância, porque com a falta de, já acostumei-me. Aprendi desde criança.
O que não me foi ensinado foi a lidar com a pluralidade, os pluralismos dos quais sou composta, que me jogam violentamente de um lado para outro, sem nunca deixarem-me sair do lugar.
Foco.
Consciente da minha ausência de, procurei ajuda pedagógica ( sinto-me de volta aos 4 anos de idade. Anos negligenciados, dos quais devo cuidar agora. Um tanto quanto tardiamente. ). Orientada que sempre fui pela falta e desorientada pelo que me abunda, liguei para a orientadora.


Mas porque a vida não poderia, em momento algum, deixar de ser irônica em seu sádico sarcasmo, ela não me atende o telefone... Negligencia-me.


...............................................................................................


"You're superbrain.
That's how they made you."


Tudo bem... Eu compreendi. Mas eu poderia ter isso imortalizado por escrito? Uma espécie de certidão ou atestado? Só para emoldurar e pendurar na parede.
E... Caso tudo dê errado, eu tenha o que contemplar nos meus dias de desemprego, ócio e depressão profunda, como o meu único "bem de algum valor". Uma herança mórbida de um "devir" assassinado.


E quem sabe num momento posterior de maior lucidez, eu quebre a moldura, espatife o vidro que protege o tão valioso pedaço de papel - com assinatura médica e CRM comprovados -, e pegue estilhaço por estilhaço, os inserindo profundamente e sem o menor controle, candura ou pena, pulsos adentro?

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Hmm... Você é capricorniana, é? Textinho mais funesto.

Yup, still here.

7:01 PM  

Postar um comentário

<< Home