4.16.2005

Em meio à falta de comoção, adentrou a floresta por entre minúsculas - e singelas - ramificações desconhecidas.

Mariana vê-se diante de Katherine Mansfield.
Leu "Felicidade" ( "Bliss" ) ainda ontem.

E nada.

Mariana encontra-se repleta de cinismo e pouca compaixão para com qualquer coisa que não lhe provoque um mínimo de comoção.

Clarice indicou-lhe Katherine através da convidativa frase "Isto sou eu!".
Katherine Mansfield e Virginia eram rivais literárias. Enfim, nada que o universo feminino não compreenda e Freud não explique. Ambas buscavam o âmago da alma feminina ao relatar o inexplicável vazio e a monstruosa lacuna que toda mulher apresenta dentro do peito. Coisas que o universo feminino ( menos ainda o masculino ) não se encontra apto a comprrender e Freud tenta, mas pouco explica.
É algo a ser vivenciado, nunca descrito, tampouco explicado.

Mariana é feita disto. Vivências. Por isso importa-se tão pouco ultimamente com coisas que não a comovam. Porque a vivência externa tornou-se, no geral, insípida.

Mariana virou-se para dentro. Ostra que é. E Katherine Mansfield não coube no amplo, porém, restrito, espaço que há reservado em si.

O texto é interessante. Há diversos aspectos implícitos a serem analisados, e Mariana adora analisar os aspectos implícitos das coisas. Porém, Mariana envelheceu. Viu-se cercada pelas mais diversas coisas - de textos a pessoas - todos repletos de aspectos implícitos - o que é comum e rotineiro a todo mundo, e por isso mesmo, cansativo - mas nada - ou muito pouco - capaz de comover-lhe.

"_ Você é tão bela, mas com olhos tão tristes que não traduzem a vitalidade e a paixão que seu corpo emana."

Sufocou um quase-grito. Um quase-alarde, diante de toda a verdade já familiar contida naquela simples e estúpida frase. Simples. Estúpida. Verdadeira. Como tudo que lhe cerca atualmente.

Mariana tem a paixão e a vivacidade, o fascínio de uma criança de 6 anos de idade, mas as marcas de cinismo e ceticismo de uma bem-vivida e muito magoada mulher em meio aos seus cinqüenta e dolorosos anos vividos. Contraditório. Como Mariana.

Dado isso Mariana procura coisas que lhe comovam. Porque de todo resto já se cansou. E Katherine Mansfield não a comoveu. Texto bem escrito. História interessante. Repleta de todas as lacunas e et coeteras femininos com os quais tanto esbarra; mas não lhe fez saltar da cadeira, não lhe deu vertigens, não deixou-lhe com vômito sufocado na garganta. Só fez-lhe refletir e concluir. "_ Ah sim..."

Mariana fala de Clarice, Virginia, e Miranda em prenomes. Porque lhe comovem, lhe tocam no âmago que os seus "próximos" ( já não tão próximos ) não mais lhe conseguem tocar.
Deseja dedos em feridas, cosquinhas nas suas vísceras inflamadas, uma lambida no seu lado direito do cérebro ( "_ ....e uma bela massagem no esquerdo, pelamordeDeus!." ).

Ella sussurra ao seu ouvido:
"You do something to me, something that simply mistifies me... "

É essa sua ânsia. To be mistified. Por isso acolheu em seu peito e espaço reservados Clarice, Virginia, Miranda, Ella, Billie... Todas próximas, conhecidas, amigas mais que imaginárias queridísssimas. Acabou que a vida real não lhe pareceu tão instigante assim. Tampouco tão elucidativa e segura.

Seu olhar vagueia tristemente janela afora, mas seu interior flexiona-se todo por entre livros, filmes, músicas e descobertas por entre as paredes das suas artérias.


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"_ Com licença?"
"_ Hã?"
"_Você já acabou? (pausa ) É que eventualmente escrevo por aqui também."
"_ Ah sim... Bem, eu já me dirigia ao meu quarto então... É todo seu."
"_ Obrigada. Meu nome é Anna."
"_ A-hã. Já ouvi falar. Prazer. Mariana. Tchau. "


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"Estava tão cansada. Beirava o tédio. Todos os planos de sexta-feira à noite subitamente cancelados por pura falta de planejamento. "_Odeio isso."

A mais promissora opção - na verdade a única, porque não havia muito de promissor na proposta em si - era um dvd na casa daquele que lhe causava cócegas.
Então foi... Mais levada pela siuação e pela completa falta de opção do que pela vontade em si.

Não gosta da casa dos outros. Pelo simples fato de ser "dos outros". Sente-se invasora e principalmente, invadida.

Deitara na cama um pouco irritada pela não-possibilidade de algo melhor. Mas a cama pareceu acomodar-lhe perfeitamente. Bem como seus braços.
E seguiram-se...
Horas de conversa... Daquelas lentas, moles. Conversa de porteiras nordestinas vizinhas. Sem pressa, sem sobressaltos. Com pausas de cansaço pós-maresia. Horas e horas... Recusou-se a ver o dvd, por um minuto a mais com ele em seu colo e os dois entre seus braços. Semi-polvos.

Aninhava-se por entre seus cabelos e ia adormecendo suavemente. IaM adormecendo suavemente. E ao menor gesto ou movimento do outro, respondiam com algum alarde, para depois, suavemente, adormecerem de novo.

Num acordar de olhos lentamente se abrindo, sussurou: "_ Preciso ir."
Os remédios estavam em casa, o dia seguinte seria longo, e por mais acima das expectativas que aquele quarto e aquela cama em particular tinham sido, necessitava do seu gigantesco edredom branco e do ar condicionado a congelar-lhe os ossos - e as idéias mais mórbidas e solitárias.

Com muito esforço e algum tempo levantaram-se. Ela sentou-se na cama. Olhar sonolento de criança que acorda em pleno sábado de manhã. Ainda entre névoas. Ainda confusa. Mas internamente e discretamente, feliz.

Ele pôs-se de pé. Mecanicamente tirou o short afim de colocar uma bermuda mais apropriada para pegar o carro e levá-la em casa. E no gesto mecânico, deixou parte da cueca azul escorregar-lhe quadril abaixo, sem revelar muito, porém. Não-intencional.

E foi suficiente. O deslize quadril abaixo, revelando o osso latinamente viril, acordou-lhe.
Sorriu e chamou-lhe para perto. A princípio entre confusão e sono ele não entendeu bem o propósito - em especial, após tanta dormência - e ele não se referia ao período antecedente de sono. Mas ela foi suave, suavemente direta com sua mão onde lhe importava.

Acordou. Assim. Numa sexta-feira à noite de muitas expectativas, poucas propostas, conseqüente tédio e subseqüente intimidade verbal única e calma, entre os fios que lhe tocavam por inteira.
Surpreendeu-se. Com uma bela sexta-feira à noite, calma, reservada, e algo que lhe crescera absurdamente de assalto e lhe instigara, propulsando e estocando entre suas pernas.

Comoveram-se."

Anna.


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MariAnna divide-se. Entre Billie, Ella e Goldfrapp. Todos reverberando em sua vitrolinha interna.


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Hairy trees

"You give me this love
You give me this love

Touch my
Garden
Rain clouds
Mountains
Sunshine
All day long

Sunrise
Meadows
Oceans
Rainbows
Starlight
All day long

Golden
New world
Rain clouds
Mountains

Ride my Pony
Ride him
Slowly
Smiling
All day long

You give me this love
You give me this love
You give me this love
You give me this love..."


- "Hairy Trees" do Goldfrapp. Título e letra não podiam ser mais perfeitos e adeqüados.
Serviram-lhe. Perfeitamente. -


MariAnna divide-se, mas ainda comove-se.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

ai.
dessa vez você me fez chorar.

porque se Katherine Mansfield não comoveu Mariana, The Two Headed-Woman cumpriu muito bem esse papel. muito bem. demais, até.


então quando você publicar esse seu livro, pode ter certeza que pelo menos uma cópia vai ser vendida. não sei se vou ter coragem -ou forças- pra lê-lo por inteiro, mas eu vou tê-lo. por inteiro. assim como seu texto me teve.

me fez saltar da cadeira, me deu vertigens e me deixou com vômito sufocado na garganta, de um jeito que nem Clarice nem Katherine fizeram.

[esse comment está virando um texto. e está expositivo demais. público demais. então paro por aqui. um beijão pra você]

8:42 AM  
Anonymous Anônimo said...

Mariana deve entender que o peito só está vazio quando não pôs a sua felicidade à toda prova.

11:56 PM  
Anonymous Anônimo said...

Estou adorando a MariAnna. Isso tudo aqui. Você, e o comentrário do Hazel. Nossa, me comovi!

2:58 AM  
Blogger Leandra Lambert said...

Fui eu aí em cima! Vamos conversar com calma, qualquer dia desses...

3:00 AM  
Blogger Vanessa Martins said...

Só digo uma coisa: Se vc continuar estudando pra essa porcaria desses concursos e não seguir a carreira de escritora eu te mato! :)

Sim, dinheiro é bom. E escritora vc já é. Mas, sinceramente Carol, eu sou muiiitooo , muiiitooo exigente e muito chata pra dizer que alguém escreve bem. Você deve saber, quando escrevemos ficamos mais exigentes ao textos alheios, as vezes até nos incomoda de certa forma ver pessoas tão próximas e tão "melhores" escritores que nós.

Pela primeira vez eu li o seu blog, (acho que tinha medo de ler, mas li!) Sendo muito sincera e com toda a humildade do mundo só digo que tenho muito o que aprender com você e com o mundo antes de sonhar em ser escritora, como sonho as vezes.

Não é pra ficar mais convecida do que já é, hein menina!? eheheheeh...
Brincadeiras a parte, em questão de escrita você pode e deve se sentir orgulhosa de si!

Te ADORO
Beijos!

7:47 PM  

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