4.30.2005

Do direito de se falar sobre intestinos. Ou até mesmo sobre Genet.

O bom de ter um blog que ninguém lê é a liberdade que isso lhe fornece para que se poste qualquer coisa, do SEU interesse. E somente seu.
Meu, na verdade.
O que torna toda a atividade muito mais catártica e de certa forma, divertida, posto que, quase inconseqüente.

Por exemplo...
Eu poderia escrever aqui sobre coisas desconcertantes como o efeito do chá verde em meu intestino, como fez um amigo meu essa semana.
Mas por ora não... Não vou me comportar como uma daquelas modelos de comercial de TV do ActiviA ou de qualquer outro laxante ou iogurte-com-poderes-divinos-sobre-seu-sistema-digestivo, colocar um sorriso no rosto e dizer: " Como minha vida mudou após...".

Apesar do que... Bem, é verdade. Eu recomendo. ( o chá verde )

Prefiro partir para outro exemplo, menos escatológico e mais elucidativo:

Em meio a diversos textos a respeito de Bataille, e aprofundando-me sobre um livro em específico seu: "Literature and Evil", deparei-me com a seguinte conclusão no que diz respeito a uma discussão em particular do livro em questão sobre Genet ( há um capítulo sobre ele ):

"Bataille claims Genet did not know how to give, because he liked to betray people. And since he did not know how to give, he wasn't truly evil because he sacrifices nothing. By which Bataille means that he doesn't know how to take. There's no collusion with doing a 100% gratuitous act, like committing suicide.

(Let's face it: the suicide is the most selfish person around.
The subway system in my city is frequently held up by them, preventing all sorts of people from going to work on time.
All because their life is depressing.)

Bataille's entire oeuvre is a celebration of paradoxes and the idea of give = take is not so far from his idea in Inner Experience of the subjectobject."


Sim... É de uma maldade extrema, de uma falta de solidariedade e compaixão imperdoáveis.
Mas exatamente por isso é tão realista e encantadoramente cruel...

4.28.2005

isto não é um texto... chama-se S.U.R.T.O.,meus senhores. meramente, um surto.

Na ânsia de ter uma identidade sonora, esbarrei em Delta Neurosis Activation, e foi como se eu tivesse reencontrado a verve de Natura Obscura em mim mesma. E no meu dispositivo sonoro agora resplandescente.

No desejo por um caminho, esbarrei com Bataille e Ferdinand Céline. Coisas me foram sussurradas ao pé do ouvido em plena Corte francesa, num salão de ópera de um teatro gigantesco ( o que me lembra de buscar por ingressos de Macbeth ), e eu com meus seios inflamados e saltitantes decote afora, escondo-me por trás de um leque desavergonhadamente e em expressão dramático-artística-pulsante e exclamo um "Oh!" dissimulado de não-moralmente ofendida e de exposição de toda minha devassidão em questão de segundos.

Encontro-me difusa e nebulosa por entre as lágrimas de Eros. E para minha felicidade - sempre momentânea, nunca concreta ou apta a ser capturada - só me falta - porque sempre há de me faltar algo - encontrar Zarathrustra. Que é fluida, como eu. Porém, incrivelmente mais perseverante e igualmente lúcida.


Então...
Há sempre esperança...

Ou a mera criação ilusória e irracional do equivalente desta, que, nada mais é do que isso mesmo.

E não. Eu não tomei drogas ilícitas.
- somente as que o governo e meu psiquiatra me permitem. - que já são ótimas, fabulosas! não tenho do que reclamar!-





E caso tudo falhe... Siga dionísicamente Philippe Fichot e seja salvo pela O.T.E.D. (Oral Therapy for Erectile Dysfunction).
Sempre hábil. Eternamente tentadora.

... t e l e g r a m a ... ?

"Mariana,
Seu tempo expirou."

Devidamente deslocada de seu período de graça, resta-lhe apenas suspirar e sussurrar silenciosamente: "Acabou.".

A cabeça pesa. Os ombros não mais respondem.
Os dedos que antes tilintavam no teclado, agora encontram-se incertos de seu caminho e trêmulos.

Não sabe mais o que escrever. Esqueceu-se como era chorar. Não está apta a pedir ajuda, apesar de ser tudo o que lhe sobra...

Mariana pede licença e deita-se...
"Pode me ceder o lugar?"

Anna ajoelha-se e reza:
"Abre los ojos. Open your eyes."

Ninguém mais sabe para onde continuar...
E por ninguém, eu quero dizer: eu. E somente eu. Somente.

4.18.2005

Isolation/Forever - Oyster Girl's lonely mix.

[female voice whispering]
Here I wanna be a stranger...

[male voice speaking ]
In fear every day, every evening
He calls her aloud from above

[female voice whispering]
Drift in and then out
just linger...

[male voice speaking ]
Surrendered to self preservation
From others who care for themselves
A blindness that touches perfection
But hurts just like anything else

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.


[female voice whispering]
Slow motion you fall
Like a blossom

[male voice speaking]
Mother I tried please belief me
I'm doing the best that I can
I'm ashamed of the things I've been put through
I'm ashamed of the person I am

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.


[female voice whispering]
Way out there on a star
Nova lazy...

[male voice speaking]

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

But if you could just see the beauty
These things I could never describe
These pleasures a wayward distraction
This is my one lucky prize

[female voice whispering]
Write it down...
but don't send the letter.
When it shines it's forever...

[male voice speaking]

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

i.s.o.l.a.t.i.o.n.

[female voice whispering]
Here I wanna be... a stranger
Way out there on a star
Nova lazy

[female voice whispering softly]
i.s.o.l.a.t.i.o.n...

- dessa vez nem foi necessário escrever. texto escrito a quatro mãos. desconhecidas. familiares.


write it down. but don't send the letter. here, i wanna be... a stranger. I S O L A T I O N.


então porque persistir? para que exatamente?!


...



não me recordo... -

4.16.2005

Em meio à falta de comoção, adentrou a floresta por entre minúsculas - e singelas - ramificações desconhecidas.

Mariana vê-se diante de Katherine Mansfield.
Leu "Felicidade" ( "Bliss" ) ainda ontem.

E nada.

Mariana encontra-se repleta de cinismo e pouca compaixão para com qualquer coisa que não lhe provoque um mínimo de comoção.

Clarice indicou-lhe Katherine através da convidativa frase "Isto sou eu!".
Katherine Mansfield e Virginia eram rivais literárias. Enfim, nada que o universo feminino não compreenda e Freud não explique. Ambas buscavam o âmago da alma feminina ao relatar o inexplicável vazio e a monstruosa lacuna que toda mulher apresenta dentro do peito. Coisas que o universo feminino ( menos ainda o masculino ) não se encontra apto a comprrender e Freud tenta, mas pouco explica.
É algo a ser vivenciado, nunca descrito, tampouco explicado.

Mariana é feita disto. Vivências. Por isso importa-se tão pouco ultimamente com coisas que não a comovam. Porque a vivência externa tornou-se, no geral, insípida.

Mariana virou-se para dentro. Ostra que é. E Katherine Mansfield não coube no amplo, porém, restrito, espaço que há reservado em si.

O texto é interessante. Há diversos aspectos implícitos a serem analisados, e Mariana adora analisar os aspectos implícitos das coisas. Porém, Mariana envelheceu. Viu-se cercada pelas mais diversas coisas - de textos a pessoas - todos repletos de aspectos implícitos - o que é comum e rotineiro a todo mundo, e por isso mesmo, cansativo - mas nada - ou muito pouco - capaz de comover-lhe.

"_ Você é tão bela, mas com olhos tão tristes que não traduzem a vitalidade e a paixão que seu corpo emana."

Sufocou um quase-grito. Um quase-alarde, diante de toda a verdade já familiar contida naquela simples e estúpida frase. Simples. Estúpida. Verdadeira. Como tudo que lhe cerca atualmente.

Mariana tem a paixão e a vivacidade, o fascínio de uma criança de 6 anos de idade, mas as marcas de cinismo e ceticismo de uma bem-vivida e muito magoada mulher em meio aos seus cinqüenta e dolorosos anos vividos. Contraditório. Como Mariana.

Dado isso Mariana procura coisas que lhe comovam. Porque de todo resto já se cansou. E Katherine Mansfield não a comoveu. Texto bem escrito. História interessante. Repleta de todas as lacunas e et coeteras femininos com os quais tanto esbarra; mas não lhe fez saltar da cadeira, não lhe deu vertigens, não deixou-lhe com vômito sufocado na garganta. Só fez-lhe refletir e concluir. "_ Ah sim..."

Mariana fala de Clarice, Virginia, e Miranda em prenomes. Porque lhe comovem, lhe tocam no âmago que os seus "próximos" ( já não tão próximos ) não mais lhe conseguem tocar.
Deseja dedos em feridas, cosquinhas nas suas vísceras inflamadas, uma lambida no seu lado direito do cérebro ( "_ ....e uma bela massagem no esquerdo, pelamordeDeus!." ).

Ella sussurra ao seu ouvido:
"You do something to me, something that simply mistifies me... "

É essa sua ânsia. To be mistified. Por isso acolheu em seu peito e espaço reservados Clarice, Virginia, Miranda, Ella, Billie... Todas próximas, conhecidas, amigas mais que imaginárias queridísssimas. Acabou que a vida real não lhe pareceu tão instigante assim. Tampouco tão elucidativa e segura.

Seu olhar vagueia tristemente janela afora, mas seu interior flexiona-se todo por entre livros, filmes, músicas e descobertas por entre as paredes das suas artérias.


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"_ Com licença?"
"_ Hã?"
"_Você já acabou? (pausa ) É que eventualmente escrevo por aqui também."
"_ Ah sim... Bem, eu já me dirigia ao meu quarto então... É todo seu."
"_ Obrigada. Meu nome é Anna."
"_ A-hã. Já ouvi falar. Prazer. Mariana. Tchau. "


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"Estava tão cansada. Beirava o tédio. Todos os planos de sexta-feira à noite subitamente cancelados por pura falta de planejamento. "_Odeio isso."

A mais promissora opção - na verdade a única, porque não havia muito de promissor na proposta em si - era um dvd na casa daquele que lhe causava cócegas.
Então foi... Mais levada pela siuação e pela completa falta de opção do que pela vontade em si.

Não gosta da casa dos outros. Pelo simples fato de ser "dos outros". Sente-se invasora e principalmente, invadida.

Deitara na cama um pouco irritada pela não-possibilidade de algo melhor. Mas a cama pareceu acomodar-lhe perfeitamente. Bem como seus braços.
E seguiram-se...
Horas de conversa... Daquelas lentas, moles. Conversa de porteiras nordestinas vizinhas. Sem pressa, sem sobressaltos. Com pausas de cansaço pós-maresia. Horas e horas... Recusou-se a ver o dvd, por um minuto a mais com ele em seu colo e os dois entre seus braços. Semi-polvos.

Aninhava-se por entre seus cabelos e ia adormecendo suavemente. IaM adormecendo suavemente. E ao menor gesto ou movimento do outro, respondiam com algum alarde, para depois, suavemente, adormecerem de novo.

Num acordar de olhos lentamente se abrindo, sussurou: "_ Preciso ir."
Os remédios estavam em casa, o dia seguinte seria longo, e por mais acima das expectativas que aquele quarto e aquela cama em particular tinham sido, necessitava do seu gigantesco edredom branco e do ar condicionado a congelar-lhe os ossos - e as idéias mais mórbidas e solitárias.

Com muito esforço e algum tempo levantaram-se. Ela sentou-se na cama. Olhar sonolento de criança que acorda em pleno sábado de manhã. Ainda entre névoas. Ainda confusa. Mas internamente e discretamente, feliz.

Ele pôs-se de pé. Mecanicamente tirou o short afim de colocar uma bermuda mais apropriada para pegar o carro e levá-la em casa. E no gesto mecânico, deixou parte da cueca azul escorregar-lhe quadril abaixo, sem revelar muito, porém. Não-intencional.

E foi suficiente. O deslize quadril abaixo, revelando o osso latinamente viril, acordou-lhe.
Sorriu e chamou-lhe para perto. A princípio entre confusão e sono ele não entendeu bem o propósito - em especial, após tanta dormência - e ele não se referia ao período antecedente de sono. Mas ela foi suave, suavemente direta com sua mão onde lhe importava.

Acordou. Assim. Numa sexta-feira à noite de muitas expectativas, poucas propostas, conseqüente tédio e subseqüente intimidade verbal única e calma, entre os fios que lhe tocavam por inteira.
Surpreendeu-se. Com uma bela sexta-feira à noite, calma, reservada, e algo que lhe crescera absurdamente de assalto e lhe instigara, propulsando e estocando entre suas pernas.

Comoveram-se."

Anna.


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MariAnna divide-se. Entre Billie, Ella e Goldfrapp. Todos reverberando em sua vitrolinha interna.


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Hairy trees

"You give me this love
You give me this love

Touch my
Garden
Rain clouds
Mountains
Sunshine
All day long

Sunrise
Meadows
Oceans
Rainbows
Starlight
All day long

Golden
New world
Rain clouds
Mountains

Ride my Pony
Ride him
Slowly
Smiling
All day long

You give me this love
You give me this love
You give me this love
You give me this love..."


- "Hairy Trees" do Goldfrapp. Título e letra não podiam ser mais perfeitos e adeqüados.
Serviram-lhe. Perfeitamente. -


MariAnna divide-se, mas ainda comove-se.

4.14.2005

Superbrain - ou "Da Estranha Sensação de ser o Eric Stoltz como Rocky em "Marcas do Destino" ou "O Menino Elefante" - e o pobre ainda é filho da Cher!

"I'm superbrain.
That's how they made me."

"_ E nenhum deles notou qualquer indício disto quando era pequena?"

"_ Não... Eu era uma criança muito introspectiva. Quieta. Quase uma parede. Eu sentava no recreio e ficava a observar as outras crianças. Não queria brincar. Queria observar o mundo, questionar silenciosamente. Silenciosamente porque eu nunca encontrava companhia que se dispusesse a questionar o mundo comigo.

Eu tinha 4 anos. E era o porto-seguro dos meus pais. Não dava trabalho.
Não que eu não fizesse merda. Toda criança faz. Mas eu conseguia escondê-las muito bem. Mãos cerradas atrás do pequeno corpo e rosto angelical a meu favor. E meus cabelos eram loiros e cacheados, acredita?! Poderia ser mais perfeita?

Meus pais trabalhavam fora, um milhão e quinhentos mil afazeres. Minha irmã - mais velha- tomada da "Síndrome Daquela-Que-Deixou-de-Ser-o-Centro-de-Todas-Atenções-da-Casa" - passou a se esforçar em readqüirir o que havia perdido. Diante da total impossibilidade de livrar-se de mim, desfilava por aí com uma melancia gigantesca no pescoço ( minha avó usava muito essa frase. eu adorava...).
Repetia de ano, batia nas crianças menores, jogava areia nos olhos das freiras, cuspia nas pessoas. Um doce...


E todo fim de tarde, minha mãe, exausta, subia as ladeiras infinitas do Alto da Boa Vista porque minha irmã havia ficado presa de castigo. Mais uma reunião com as freiras, mais uma ameaça de que ela teria que ser transferida de turma, ou talvez, até mesmo expulsa. ( e "Deus me livre de tal tragédia!" para uma mulher aristocrática e esnobe como a minha mãe: ver um de seus pequenos fora de um dos melhores - e mais fascistas - colégios do Rio de Janeiro! ).
Uma conversa infindável para uma mulher jovem que perdera 7 filhos em abortos espontâneos. E havia lutado horrores para ter aquela menininha ali. Histérica.


E eu lá... Quietinha. Absorta nas minhas idéias. Com um sorriso plácido no rosto e um boletim repleto das melhores notas. ( todas azuis, da cor da parede do meu quarto.). Meu pai ainda notava algo de diferente, mas faltava-lhe tato e experiência humana para saber identificar precisamente do que se tratava. Ele balbuciava algo que nunca chegava a prontamente sair-lhe da boca. Eles olhavam para mim e agradeciam a Deus por poderem, enfim, dormir à noite. E descansar.

Inoportunadamente, nesse quesito, eles descansaram demais. Eu não lhes culpo exatamente. Sempre fui introspectiva. Não falava muito. Não expunha nada. Como dar-lhes algo do qual se questionar? Mas o algo era exatamente essa quietude extrema. Esse isolamento. E toda a precocidade que sucedeu-se a isso anos depois.
Mas o fato é... Não notaram. E o fato é que não tive o acompanhamento pedagógico que deveria ter tido. Não fui ensinada a lidar com isso, sequer sabia disso."


"_ Decerto que seu acompanhamento pedagógico foi falho nesse quesito. Assim como seus pais lhe negligenciaram, mas por pura humanidade. A questão é agora, já que o passado já se foi. "

"_ E... Agora?"

"_ Você tem duas opções. Fáticas. Isso pode ser usado ao seu favor e o resultado será um futuro brilhante; ou você pode não saber lidar com isso e o resultado será a mediocridade por pura falta de foco e orientação. Existem diversos caminhos passíveis de serem trilhados à sua frente - que é o que ocorre com crianças ( já adultas agora. ou quase. ) como você. A diferença no ensinamento que elas tiveram, e que lhe careceu, é que elas foram orientadas a lidar com isso, com essa pluralidade de possibilidades. E treinadas a exercitar o foco, que é muito difícil de se ter com uma gama tão variada de estradas a serem percorridas. Falta-lhe foco e abundam-lhe caminhos. Você perde-se. Trilha um pouco de cada um e o resultado disso será: você vai ser mediocramente encaminhada em diversas profissões diferentes. Mediocramente. Porque são muitos os caminhos e pouco o foco. Porque são muitos os caminhos e ainda mais diversas as questões. E você segue... Trilhando vários caminhos diferentes, sem ter tempo ou orientação para se aprofundar em qualquer um deles. Perde-se sempre.
O importante agora é o foco. Você não precisa necessariamente abandonar nenhum dos caminhos por completo, mas é necessário postergá-los, dentro de um planejamento mais preciso e maior. Senão você corre o risco de continuar andando e andando. Em círculos. Está em você a capacidade para o fracasso não-compreendido ou para o sucesso direcionado. Você escolhe."



Eu, que sempre fui orientada pela ausência de, vejo-me agora, desorientada pela abundância. De caminhos. Bem, isso é no mínimo coerente. E maldoso.
Falta-me foco e orientação para lidar com a abundância, porque com a falta de, já acostumei-me. Aprendi desde criança.
O que não me foi ensinado foi a lidar com a pluralidade, os pluralismos dos quais sou composta, que me jogam violentamente de um lado para outro, sem nunca deixarem-me sair do lugar.
Foco.
Consciente da minha ausência de, procurei ajuda pedagógica ( sinto-me de volta aos 4 anos de idade. Anos negligenciados, dos quais devo cuidar agora. Um tanto quanto tardiamente. ). Orientada que sempre fui pela falta e desorientada pelo que me abunda, liguei para a orientadora.


Mas porque a vida não poderia, em momento algum, deixar de ser irônica em seu sádico sarcasmo, ela não me atende o telefone... Negligencia-me.


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"You're superbrain.
That's how they made you."


Tudo bem... Eu compreendi. Mas eu poderia ter isso imortalizado por escrito? Uma espécie de certidão ou atestado? Só para emoldurar e pendurar na parede.
E... Caso tudo dê errado, eu tenha o que contemplar nos meus dias de desemprego, ócio e depressão profunda, como o meu único "bem de algum valor". Uma herança mórbida de um "devir" assassinado.


E quem sabe num momento posterior de maior lucidez, eu quebre a moldura, espatife o vidro que protege o tão valioso pedaço de papel - com assinatura médica e CRM comprovados -, e pegue estilhaço por estilhaço, os inserindo profundamente e sem o menor controle, candura ou pena, pulsos adentro?

4.08.2005

O Fantástico - e absurdamente enigmático, complexo, por vezes enfadonho - porque já alerto: esse é um texto enfadonho - Mundo Mágico de Oz.


"_ Eu tenho essa capacidade absurda de esperar. O que é absurdamente inédito para alguém como eu. Porque não fui dotada de muita paciência.
Mas eu sei comer um prato frio. Sabendo. Sem ter sido treinada ou ensinada. Sequer sabia disso até bem pouco. Descobri quase... Agora. Há uns cinco minutos e três feridos atrás.


Eu guardo toda mágoa do mundo dentro de uma gaveta. Trancadinha. Por vezes até esquecida, nem eu me lembro de que ela está lá. Mas o problema é que a Roda da Fortuna dá suas voltas e piruetas... E por mais que demore, é inevitável: um dia você está aqui ( aponta para baixo ), no outro, lá em cima ( aponta ).

E aí... Ah... Aí jaz o problema verdadeiro. Porque eu aproveito a fortuna que me é dada.
Para o meu bem e para o mal de quem eu achar que mereça.

Não, eu não sou altruísta. Embora tenha chorado a morte do Papa. Menina católica que fui ( sou? ), senti-me sem uma figura paterna. Uma figura paterna que eu detestava e considerava um imbecil, mas enfim, estou em plena puberdade católica talvez, que figura paternal não me seria um completo imbecil? E ainda assim eu seria capaz de chorar sua morte. Porque estou muito sensível.

Mas sim, eu espero pelo ritmo da Roda da Fortuna. Eu como o prato frio e ainda assim, me delicio. E isso é pura ignorância porque trata-se apenas de energia ruim estocada para... Nada. Absolutamente nada.

Eu não sou altruísta, tampouco católica, mas eu sei, por uma filosofia/teologia muito própria minha, que essa minha gavetinha de mágoas prejudica somente a mim mesma. Porque é energia doente essa com a qual eu lido, ao mexer na gaveta. Energia passada. Morta.

Eu chuto cachorro morto. Mesmo dois anos e meio depois. E ele parecia tão morto na época, e mais vivo do que nunca no momento exato do chute.
"Ele tirava minhas calças com o Outro do outro lado da rua, trabalhando. E agora? Quer saber? Faz dois anos e meio e eu me importo. Faz dois anos e meio e eu quero magoá-lo da pior maneira possível. Cinqüenta mil vezes mais forte do que ele me magoou. " - calça precisamente disposta no chão do quarto. Toda uma gama de memórias doentias a serem abertas na minha cabeça.

Eu como lentamente o prato frio. E por exatas duas horas e quarenta e cinco minutos, me delicio.

Depois... Nada. Energia empregada em vão. Natimorta. "

"_ E o que você ganha com isso?"

"_ Eles. Magoados. Caídos. Feridos como fui ferida - mentira... Pior."

"_ E o que VOCÊ ganha com isso?"

"_ A ilusão... de ser Deus. Por duas horas e quarenta e cinco minutos. Porque é isso o que o ser humano procura. Essa é a ambição máxima, primordial e orgânica do ser humano: ser Deus - independente Dele existir ou não. É meta-teológico isso... Está acima de qualquer discussão sobre teologia. Está presente em todo e qualquer pequeno gesto de nossas vidas, inflamado e sufocado no nosso subconsciente arrebentado por medos. Toda aquela história de ser a imagem e semelhança de Deus não é à toa. Tem muito mais por trás disso do que as pessoas permitem enxergar. Essa é a máxima do ser humano. Essa vontade quase homicida, por vezes homicida, de ser Deus.

E eu sei que é babaquice! Não precisa me dizer. Eu tenho plena consciência de que é vontade vã. Vontade de brincar de Playmobil, de construir cidades, de fazer mandos e desmandos a nosso bel prazer, de acordo com a nosssa opinião e a força que sai do nosso umbigo. Energia em vão.

I L U S Ã O

Por algumas horas me sinto Deus e faço meu teatro tragi-cômico particular do que seria o Juízo Final, e julgo os que serão absolvidos e os que serão condenados. Sendo que os últimos recebem penas muito severas - justo de mim que nunca acreditei em um Deus tirano. Mas dê-me ilusoriamente a divindade nas mãos e você terá pleno contato com a tirania e o totalitarismo. Porque luto pela democracia, mas francamente, desaponto-me com ela.

Mas é necessário atentar para um detalhe gigantesco. Por mais ilusório que seja, vivemos em torno e em prol de ilusões. 90% do nosso tempo é tomado de ilusões sucessivas e em progressão geométrica. "Ilusão de que ele te ama." "Ilusão de que é para sempre." "Ilusão de que ela é sua amiga." "Ilusão de não estar sozinha." "Ilusão de que não é para sempre porque você morre de medo de que seja e ilusão de que ele não te ama, porque você não consegue acreditar que possa ser amada."

Ilusões. É disso que vive o ser humano. O que por mais imbecil que pareça ser, não deixa de ser utilitário. Porque somos sensíveis e queremos ser Deus. Mas não temos estrutura emocional ou psíquica para confrontar a realidade. Alguns, em processo infindável de cura, ainda conseguem ter um vislumbre disso e enxergam uma fresta de realidade por suas janelas.
Mas são poucos. Raros. E raros também os momentos.

Eu poderia entrar num blábláblá infindável agora sobre sonho e realidade, sobre universos paralelos e nossa total falta de estrutura para lidar com eles, etc. Mas não. Digo apenas isso: que o ser humano vive de ilusão. E eu não poderia estar mais incluída nessa do que já estou. Absorta.

Acreditamos sempre no que nos é mais conveniente no momento. Você pode dizer uma mesma coisa para pessoas totalmente distintas e elas terão reações absurdamente variadas e opostas ao que foi dito. Porque compreendemos sempre aquilo que vai mais de encontro à nossa estrutura interna, a qual é composta por todos os pequenos fragmentos de pretérito, de presente e de caráter que nos pertençam, e por isso, cada estrutura é única.
Exemplo: Eu posso dizer "sou impulsiva".
Alguém que queira gostar de mim ou acredite necessitar disso dirá: " Ela é genuína, orgânica, visceral, sincera!"
Alguém que não queira ou não possa gostar de mim dirá: " Ela é louca, desvairada, surtada. Faz as coisas asssim, sem o menor nexo, de acordo com a vontade momentânea dela."

Por isso que não me dou ao trabalho de me descrever para ninguém. Energia em vão.

Sendo assim, eu entendo a completa ignorância que é empregar tanta energia em algo imaginário, ilusório, não-palpável. Mas também compreendo que é isso o que fazemos a maior parte do tempo. Somos compostos disso. Matéria primordial e basilar do ser humano: ilusão.

"_ Resumindo... O que você ganha, no final das contas, é uma ilusão. Paramos por aqui hoje. Até semana que vem. "


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Seria possível continuar com
"_ Mas isso é basicamente 90% do que acreditamos ganhar em toda nossa vida."

Mas eu entendi... O caráter condenatório da sua frase estava presente para o meu próprio bem.
O problema é que...

"_ Você é sempre de extremos, não?"

Sim... O complicado é enxergar tudo isso e procurar um caminho mais neutro.

"_ Você é muito lúcida."

Sim... E ironicamente isso funciona muito em meu desfavor.



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E assim adentramos o Mundo Mágico de Oz...
Tornando os debates cada vez mais intensos e interessantes.


Oh! Eu adoro meu sádico! ( sorrisos )